segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Carrie estranha Carrie


  Estreou na última sexta feira, dia 06, o filme Carrie, a Estranha. Dirigido por Kimberly Peirce, trata-se de um novo remake dos já clássicos filme original, de 1976, e também do livro que deu origem a todos os filmes, escrito por Stephen King. Há também uma versão do filme feita em 2002. Entretanto, gostaria de focar minha atenção nas versões de 1976 e 2013, pois ambos trazem peculiaridades não só sobre diferenças de roteiro, mas principalmente no modo de se fazer cinema em épocas nem tão distantes.

  O enredo gira em torno de Carrie White, garota colegial que vive com sua mãe Margaret, uma religiosa fanática que vê pecado em tudo e todos e tenta resguardar a si mesma e sua filha dos males que existem na Terra. A criação dura da menina, obviamente, se reflete em seu comportamento, sendo Carrie uma garota retraída e tímida, o que a faz ser motivo de chacota na escola. A garota acaba percebendo que possui poderes telecinéticos, fazendo coisas se moverem sozinhas ou explodirem. Ao ser chamada para o baile da escola e novamente humilhada pelos colegas, que jogam sangue de porco em cima dela, ela usa seus poderes numa vingança furiosa.


   O filme de 1976 é uma junção de acertos. Dirigido por Brian de Palma, a performance da protagonista Sissy Spacek deu a ela uma indicação ao Oscar de melhor atriz. E não é atoa! A primeira Carrie consegue passar em seu olhar a timidez, o medo e o ódio, e a atriz tem uma desenvoltura hipnotizante. Ainda temos a atuação de Piper Laurie, que vive Margaret, a mãe de Carrie, uma mulher que assusta qualquer um. As sequências das duas juntas, em especial a última do filme, são espetaculares.

   A direção de de Palma é primorosa. A cena inicial do filme, no vestiário feminino, em câmera lenta, e que termina na selvageria das alunas frente ao desespero de Carrie por estar "sangrando até a morte", e a clássica cena do baile, desde o seu começo, com Carrie feliz com seu par, até o final trágico, mostram o capricho da direção. A fotografia sombria que toma conta das cenas, a trilha sonora perfeitamente encaixada, enfim, um filme excelente pra quem repara em detalhes mais técnicos, e ainda uma grande pedida pra quem quer ver uma boa história ser contada.
  O enredo da nova versão segue basicamente a mesma linha da original. É claro que, em 2013, mudanças tinham que ser feitas. Os smartphones agora são parte da vida de todos, e a tal humilhação no banheiro vira vídeo, que é exibido na cena do baile, essa sim bem parecida com a original. Margaret aqui é interpretada por uma ótima Julianne Moore, que tem uma boa performance como a mãe fanática de Carrie.

   A nova versão, porém, não tem, de nenhuma forma, o mesmo impacto da original. É claro que no quesito enredo isso acontece com quem já viu algum dos anteriores ou leu o livro. O filme, porém, é um remake em que algo acaba faltando. As cenas não são mais tão instigantes e, apesar de bem dirigidas, muitas vezes não acabam casando umas com as outras.

  Chloe Grace Moretz, que vive a protagonista, é boa atriz, vide seus outros trabalhos, mas sua Carrie, ainda que tenha ido bem na cena principal do filme, a do baile, não passa tanta timidez ou ingenuidade como aquela vivida por Spacek. Sem esse detalhe de composição, a reviravolta na vida da personagem e sua vingança perdem a força.

  O filme atual também perdeu o clima sombrio do original, e esse é o principal defeito. Ao tentar mostrar em demasia os poderes da protagonista, parece que o foco principal são os efeitos especiais. As cenas de Carrie na rua depois do baile e a sequência final da personagem, junto com sua mãe, acabaram perdendo toda a arte dramática para dar lugar aos belos efeitos computadorizados.


   Perde-se, com essa nova filmagem de Carrie, a chance de aliar os que eu considero os principais alicerces do cinema de 1976 e atual. Os efeitos especiais no primeiro filme eram difíceis de se fazer, o que implica que fazê-los com qualidade exigia um roteiro impecável. Os roteiros dessa época eram mais bem elaborados, e a história de Carrie, por exemplo, por mais fantástica que fosse, não corria o risco de soar incoerente ou sem sentido. Os efeitos de câmera aqui, como a câmera lenta, ou aquela que fica rodando em volta dos personagens ( que deve ter um nome específico), eram o que dava o clima que o filme pedia. Fotografia, edição, tudo aliado a direção competente e boas atuações, faziam a magia do cinema acontecer.
   O foco nos efeitos especiais computadorizados mata por completo esse tipo de característica. Essa tendência de modernidade é uma grande crítica ao cinema hollywoodiano de hoje em dia, e ela tem fundamento. É claro que em filmes como Avatar ou As Aventuras de Pi, o espetáculo visual é necessário e é um atrativo do filme. Mas o foco em Carrie deveria ser na personagem, em sua personalidade, pois é isso que desencadeia os acontecimentos do filme, e não a utilização dos poderes que ela adquire.

   Carrie, a Estranha, ganhou, novamente, um remake que não substitui a genialidade da obra original. Remakes podem até não serem feitos para isso, mas o atual descaracterizou o principal da obra, a aliança perfeita entre enredo e efeitos especiais bem colocados. As produções cinematográficas que em 2013 servem apenas para entreter e dar dinheiro às produtoras, bem que podiam rever seus conceitos sobre seu objetivo, porque o cinema é bem mais do que entretenimento, e o filme de Brian de Palma, lá em 1976, com efeitos especiais reduzidos e precários, ainda assim dá uma aula do que é cinema.





  

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