domingo, 21 de dezembro de 2014

Meus Filmes de 2014

    Nunca fiz listas nesse blog porque eu nunca concordo com as listas que faço. Mas num ano em que os acontecimentos mais pareciam escritos por uma improvável parceria entre George R.R Martin e João Emanuel Carneiro, decidi fazer algumas listas de coisas que me chamaram a atenção, positiva e negativamente. Não há aqui intenção de eleger melhores ou piores do ano, quero apenas listar o que mais gostei de ver e ouvir num ano tão insano. Resolvi começar pelos filmes que mais gostei de ver no cinema esse ano. Alguns até ganharam posts por aqui, e é impressionante a variedade de temas que o cinema trouxe em 2014. Foi um ano cheio e bom para o cinema, e aqui estão alguns que aos meus olhos se destacaram.

1) NINFOMANÍACA

   
  Tema do primeiro post deste ano, a obra em dois volumes de Lars Von Trier gerou tanto assunto que ficou em cartaz (ao menos a primeira parte) em cinemas comerciais tanto quanto em cinemas que exibem filmes considerados "alternativos". Com um enredo instigante e cenas de sexo explícito, o filme chamou muita atenção pelo que aparentemente mostraria, sexo sexo e mais sexo. Porém, acabou surpreendendo ao tratar da vida da protagonista Joe como uma viciada. A depravação que o filme prometia era seguida pelo drama da dependência que Joe tem do sexo, o que faz do filme uma obra  surpreendente. Jason Slater e Uma Thurman tem atuações de arrepiar.

2) GRANDE HOTEL BUDAPESTE


   Wes Anderson construiu um fime divertido e empolgante, com doses de humor, ação e drama, numa mistura colorida, animada, viva. Grande Hotel Budapeste tem um ar lúdico estilo musical muito bem preenchido com uma trilha sonora excelente e fotografia impecável. A história de como Gustave H. herdou o grande hotel e as aventuras com seu escudeiro e mensageiro do hotel Zero Mustafa foram uma das melhores coisas que vi em 2014.

3) GUARDIÕES DA GALÁXIA


   A saga cinematográfica da Marvel se preparava, na cabeça de um quase leigo em quadrinhos como eu, para a chegada de Vingadores 2 e, por isso, Guardiões da Galáxia não tinha à princípio despertado uma grande expectativa em mim. O resultado disso foi eu sair do cinema tendo o visto o melhor filme da Marvel junto com Os Vingadores. O humor e as cenas de ação do filme são incríveis, como já de costume na saga Marvel, mas a trilha sonora de Guardiões, que também faz parte do enredo do filme, é um atrativo a parte, sensacional. "I am Groot!!"

4) VERSOS DE UM CRIME


Também tema de um post anterior deste blog, "Kill Your Darlings" ficou em cartaz em alguns poucos cinemas durante cerca de duas semanas e impressionou ao trazer um Daniel Radcliffe cada vez mais distante do Harry Potter que o imortalizou na memória da minha geração. Um filme sobre um jovem estudante de poesia que se recusa a aceitar os métodos tradicionais da universidade que frequenta e se junta a um grupo de revoltados afim de quebrar o que consideram caretice. Em meio a tudo isso, uma platônica paixão nasce entre os protagonistas, o que torna o destino de sua parceria incerto. Um filme impressionante e chocante ( até porque não é todo dia que o Harry Potter se apaixona pelo Harry Osbourne, que já teve um caso com o Dexter), com atuações excelentes e um enredo incrível. Dirigido por John Krokidas.

5) GAROTA EXEMPLAR


Ninguém espera que David Fincher vá fazer um filme ruim. Ele porém ainda consegue superar as expectativas que quem conhece seu trabalho deposita nele. Estrelado por Ben Afleck e Rosamund Pike (em atuação incrível) a história nebulosa do marido que procura sua esposa desaparecida é constituído de quase três horas de reviravoltas incríveis, cenas sensacionais e um dos melhores roteiros do ano. O filme é incrível, é até difícil elogiar, em todos os aspectos ele tem destaques .Fincher brilhou mais uma vez, veremos o que Globo de Ouro e Oscar reservam pra Garota Exemplar, esse merece.

6) INTERSTELLAR


  Num planeta Terra destruído e dando seus últimos suspiros, um pai de família embarca numa missão espacial para encontrar um lugar onde a humanidade possa recomeçar. Entre o suspense, a ação e o drama, o filme de Christopher Nolan dividiu opiniões. Pessoalmente, gosto de Nolan e achei um grande filme. Ainda assim, é possível entender algumas críticas. Fica a cargo do gosto de cada um. Matthew McConaughey é um monstro, ator excelente.

7) JOGOS VORAZES: A ESPERANÇA - PARTE 01


  Na primeira parte de um final que promete ser épico, vemos uma franquia adolescente de sucesso abordar questões políticas de seu mundo de uma forma nova e revigorante. Depois de dois anos na arena dos jogos que satisfaziam o público da chamada capital, a protagonista Katniss se tornou o símbolo de uma revolução e agora tem que lidar com sua nova posição enquanto os distritos se encaminham para uma guerra. A mudança de foco do terceiro filme o deixou mais lento em relação aos anteriores, porém conseguiu preparar um cenário instigante para o quarto e último filme da saga. Foi uma mudança surpreendente e que trouxe um novo parâmetro para a saga, além de "preparar o terreno" para um desfecho emocionante.

MENÇÃO HONROSA: Embora eu não tenha visto no cinema e não seja um filme de 2014, mas de 2013 (pelo menos em sua chegada ao Brasil), quero deixar registrada à excelência do filme Nebraska, dirigido por Alexander Payne. Um drama sobre um idoso que acha que recebeu um prêmio de loteria e tenta a todo custo ir receber seu dinheiro, mesmo com todas as ressalvas de sua família, que afirma que se trata de um golpe. O filme é de uma beleza incrível, é emocionante e divertido e tem alguns toques de direção que o tornam ainda mais verossímil, como a ausência de cores. Filme incrível e que merece o destaque.

 Aí estão os filmes que mais gostei em 2014. Sintam-se á vontade para discordar de análises e indicar mais títulos,visto que o critério que utilizei foi o meu gosto, que não é dos mais refinados, e a intenção da postagem que é a de mostrar e trocar opiniões. Bom filme a todos, e um cinema em 2015 que traga também muita coisa boa.

sábado, 29 de novembro de 2014

Boa Noite Vizinhança

     Assim como todos neste continente e em boa parte do planeta, a morte de Roberto Gomes Bolaños, o Chaves, o Chespirito, o Chavo del Ocho, o Chapolim Colorado, o Polegar Vermelho, o Doutor Chapatim, pegou a nós em uma surpresa nem tão surpreendente mas ainda assim chocante. É daquelas coisas que a maioria de nós evitava pensar. Não é necessário descrever aqui o fenômeno que é o personagem Chaves, que no Brasil é reprisado a cerca de 30 anos e não dá sinais de cansaço. Seria chover no molhado. Esse post na verdade quer tratar do legado que o criador e intérprete do Chaves, Roberto Bolaños, deixa pra sociedade, dentro e fora da televisão.


   Na televisão, não há dúvidas de que a facilidade de Bolaños em agradar a todas as idades e a longevidade de seu humor são seus maiores feitos. Será difícil bater a marca de Chaves (até porque continua passando todos os dias). No entanto, há mais do que isso, na minha opinião. Existe um certo lugar pra Chaves e Chapolim  no cotidiano das pessoas. A série é tão longeva que é quase palpável. Todos os dias vemos elementos de Chaves nas brincadeiras das crianças, no modo de falar das pessoas, e é esse o ponto em que a genialidade do criador Bolaños aparece. Afinal, nós é que incorporamos em nossa vida elementos de Chaves, ou foi a observação de Bolaños que criou aqueles personagens e aquela vila? A clássica máxima "A arte imita a vida, ou a vida imita a arte?" se torna verídica quando falamos de Chespirito.


    As maiores evidências dessa proximidade entre as gerações que acompanharam a criação de Bolaños são as manifestações de comoção em relação à sua morte. A melancolia expressada mostra o quanto uma obra de ficção afeta nossas vidas nisto que chamamos de realidade. E infelizmente, tudo se torna mais difícil quando se procura saber sobre os bastidores da série, que embora esbanjasse humor foram cheios de controvérsias.

    Bolaños faleceu sem se reconciliar com Maria Antonieta de Las Nievas e Carlos Vilagrán, intérpretes de Quico e Chiquinha. Há 40 anos eles não conversavam. E não conversarão mais. Pra quem não sabe, Vilagrán foi retirado do programa sem grandes explicações e, após o fim da produção, ele e Maria Antonieta foram proibidos de interpretar os personagens que os tornaram famosos, pois eram criações de Bolaños. Os três amigos da vila terminaram seu ciclo com uma inimizade que não foi sanada neste mundo, muito embora haja por parte de todos o lamento pela perda de Roberto.

   Fica a saudade. Ou não, até porque se o SBT parar de exibir Chaves vai ter briga. Bolaños estava doente a anos e sua morte comove, porém era, de certa forma, esperada. Fica a melancolia e o legado de um gênio, que criou algo que, a cada ano que passa, parece ser imortal. Roberto Bolaños acordou, nós ainda estamos todos dormindo. Até uma próxima Chaves, afinal como você mesmo diz, nos despedimos sem dizer adeus jamais, pois haveremos de nos reunir, muitas vezes mais... =`(

Obrigado Chespirito...

   


                     


quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Um Pouco de Música: Casa das Máquinas


   O Brasil nos anos 70, no quesito música, sinceramente, é imbatível. Cada disco, cada músico da época tinha uma forma única de se expressar, e grandes clássicos da música nacional foram produzidos em meio à repressão do governo militar. O rock nacional, nesse período, começa a se livrar da onda "yeah yeah yeah" da jovem guarda, e começa a dar passos mais ousados em direção a uma nova identidade. É nessa década de efervescência  que surge a banda "Casa das Máquinas".

  O Casa das Máquinas foi fundado por Netinho e Aroldo, músicos que tocavam na banda "Os Incríveis", muito popular na época. Eles se juntaram com outros integrantes e formaram uma banda que, mais tarde, se tornaria um marco do rock brasileiro dos anos 70, mesmo sendo considerada uma banda maldita. Maldita pois a banda se tornou popular entre os roqueiros da época, mas mesmo com duas canções muito populares, "Vou Morar no Ar" e "Casa de Rock",  nunca conseguiu sucesso e reconhecimento muito grandes.

  Entre 1974 e 1976 lançaram três álbuns, "Casa Das Máquinas", "Lar de Maravilhas" e "Casa de Rock". São três álbuns muito diferentes entre si, e mostram a evolução da banda e a influência que a troca de integrantes de um disco pro outro provoca no som que eles fazem. O primeiro disco tem ainda muita influência dos Incríveis e é muito parecido com o som da banda anterior. Casa de Rock, o terceiro e último álbum da banda, carrega um som mais pesado e cru, acho que pode até ser chamado de "hard rock".



  Mas o disco que quero dar destaque é o segundo, "Lar de Maravilhas", de 1975. É um disco de rock progressivo, com uma sonoridade única na música brasileira. Com melodias muito bem executadas, letras profundas e aquelas mudanças e nuances que todo admirador de rock progressivo curte, esse disco é viciante, surpreendente e mostra claramente a criatividade e o talento dos músicos do Casa das Máquinas.

  Criatividade que também aparecia nos shows da banda, que sempre eram performáticos e teatrais. Unindo boa música a músicos talentosos e performances arrebatadoras, a banda seguiu durante quatro anos, até terminar depois de um incidente nunca esclarecido, onde após uma briga na TV Record acabou com um cinegrafista da emissora morto (?). 

Anos depois, a banda foi convidada a se apresentar num festival e, em 2008, até músicas inéditas foram escritas para o retorno, que contava com integrantes originais e alguns novos músicos convidados. O Casa das Máquinas não causou no quesito sucesso o barulho que poderia e merecia, mas o som da banda permaneceu nos ouvidos de quem os admirava e hoje pode e deve ser escutado online, sendo com certeza uma das melhores bandas nacionais de todos os tempos. Pra quem curte boa música, o convite está feito, vem morar no ar!!





  

domingo, 27 de julho de 2014

Sem um Pingo de Vergonha na Cara!


  Existem aqueles boatos, aquelas teorias de que, se uma bomba nuclear assolasse a Terra, matando toda a forma de vida existente no planeta, as baratas seriam os únicos seres que conhecemos que sobreviveriam a tal catástrofe.Baratas sobrevivem a inseticidas, chineladas mal dadas e, ironicamente, apesar de todo o asco que nós temos delas, sobreviveriam ao apocalipse que nós um dia seremos responsáveis. Caro leitor, ainda que eu espere não viver para morrer em uma explosão nuclear causada por algum estúpido presidente imperialista, eu apostaria qualquer coisa, em um último ato vivo neste planeta,  que além das baratas, os Gallaghers sobreviveriam à explosão nuclear. Posso apostar tudo que eles sobreviveriam.

   Afinal, os Gallaghers são sobreviventes. Podem ser trapaceiros, desonestos, malucos e um pouco sem noção, todos eles, mas não há de se negar que são sobreviventes. Pra quem não os conhece, os Gallaghers são uma família residente na zona sul de Chicago, nos EUA, e a rotina dessa família é o que mostra a série de tv da Showtime, Shameless.

  Shameless é, na verdade, uma série britânica, à qual ainda quero ter oportunidade futura de assistir. A versão americana tem atualmente quatro temporadas. O maior destaque da série está na sua falta de pudores e vergonhas. O nome "Shameless" poderia sugerir referência apenas as cenas de sexo e nus frontais que permeiam quase todos os episódios. Porém, é só começar a acompanhar a história que vemos que a imoralidade, a fata de vergonha está muito além do sexo. O que se destaca é a maneira que esses personagens levam a vida.

  Frank Gallagher é um alcoólatra, pai de seis filhos, que vive seus dias a curar ressacas com mais álcool, deixando a criação dos filhos menores nas costas de sua primogênita, Fiona Gallagher. A moça faz o que pode, mas de vez em quando extrapola algumas regras pra conseguir pagar as contas e cuidar dos irmãos menores, cada um deles com seus próprios anseios e problemas. A vida louca dos Gallaghers parece atrair mais pessoas adeptas desse estilo de vida "louco", vide os personagens secundários que ajudam a enriquecer os episódios com enredos e atitudes fora de qualquer padrão de previsibilidade.

 Ainda que o humor peculiar e o sexo sejam os atrativos mais visíveis a princípio, Shameless guarda como maior êxito o drama envolvendo os Gallaghers. Com o decorrer da história, percebe-se que há uma razão para a estrutura tão diferente daquela família, e momentos dramáticos passam a ficar cada vez mais frequentes, mostrando que por trás de tantas trapaças existe uma família que é tão vulnerável a dor quanto qualquer outra, considerada normal.

  Juntamente com quase todos os outros personagens da série, os Gallaghers são grandes baratas. Em Shameless o apocalipse nuclear já começou, e sobrevive quem é mais esperto. A série as vezes choca, mas ao mesmo tempo passa a sensação de que, se fôssemos nós naquela situação, será que agiríamos diferente? A "falta de vergonha" ou qualquer que seja a tradução correta do nome dessa história é mais do que algo que falta aos personagens, é algo do qual abriríamos mão se fosse necessário para sobrevivermos. Afinal, as baratas se arriscam em nossas casas e esse é o lema de vida em Shameless, se arriscar, se expor ao inseticida e as chineladas da vida, pois se isso não te matar, a bomba nuclear também não mata.






segunda-feira, 16 de junho de 2014

Toda Forma de Ator

    Ainda que no cinema a discussão de gênero seja bem mais aceita e explícita do que na televisão, ainda há alguns receios e preconceitos quando se trata do homossexualismo. Em 2014, dois filmes brasileiros, premiados e indicados  dentro fora do Brasil e bem elogiados pela crítica, têm como pano de fundo uma relação homossexual. Um deles é "Hoje eu Quero Voltar Sozinho", que perpassa as sensações de um adolescente deficiente visual e sua relação com o mundo. O segundo, o qual quero centrar essa discussão, chama-se "Praia do Futuro", e foi dirigido por Karim Ainouz.
   Esse filme gerou discussão e repercussão após algumas pessoas se retirarem das salas de cinema onde ele estava sendo exibido devido às cenas de sexo entre dois personagens homens. É claro que a a clareza e explicitação dessas cenas poderia incomodar e justificar essa atitude, ninguém é obrigado a ficar em um filme que não esteja gostando. Porém, o que se percebe nas declarações de quem abandonou a sessão é o incômodo que a relação entre gays causou no público.

  Praia do Futuro não é um filme sobre gays. É um filme sobre escolhas, sobre consequências. Na história, um salva vidas, vivido por Wagner Moura, conhece e se apaixona por um piloto de motocross alemão, depois de não ter conseguido salvar a vida de um amigo desse turista. Ele então abandona seu trabalho e família e muda-se para Berlim, onde vive por muitos anos, até se confrontar com seu amargurado irmão mais novo, que não o perdoa por ter partido.

     O filme tem um começo estranho, pois de certa forma a morte do segundo turista alemão passa um pouco rápida demais para dar lugar à construção da relação entre os protagonistas. O filme é centrado neles quase em sua totalidade e tem várias cenas com a câmera fechada, mostrando apenas os dois, os olhares e a cumplicidade deles.

   O que fica claro, porém, quando se termina de ver, é que o enredo não tem como principal atrativo mostrar uma relação homossexual. É um filme com uma profunda reflexão sobre encarar suas escolhas e conviver com consequências. Com cenas bem montadas e uma boa trilha sonora, é uma ótima pedida pra quem gosta de cinema. Por que houve, portanto, tanta polêmica??

   Há várias razões pra pessoas terem saído do cinema, algumas plausíveis e outras discutíveis. Pessoalmente, acho que a relação homossexual dos protagonistas é apenas parte. Há também a desconstrução do ator principal. Ora, Wagner Moura ficou famoso por viver um capitão do BOPE, o batalhão da polícia. Seu Capitão Nascimento era exemplo de decência e coragem e foi o personagem que consagrou o ator. Um novo filme em que ele vive um personagem com uma profissão tipicamente masculina, porém desta vez homossexual e inseguro, em cenas explícitas de sexo com outro homem pelo visto é demais pra cabeça de muita gente.

  Para qualquer ator, deve ser complicado prender-se a um personagem. Wagner Moura não deve nem se dar conta do tanto que seu capitão Nascimento está implementado na cabeça das pessoas. Porém, convenhamos que rejeitar um personagem diferente daquele pelo qual o ator é consagrado é imaturo e infantil. Ainda mais quando defendido com tanta competência como no caso de Wagner em "Praia do Futuro". A atitude do ator, inclusive, remonta a um outro filme, este internacional, cujo protagonista também tenta se desvencilhar de seu eterno personagem, coincidentemente com um novo filme de temática homossexual. Falo de Daniel Radcliffe e do filme "Versos de Um Crime".

  A situação de Radcliffe é ainda mais difícil que a de Wagner Moura. Não importa quantos filmes ele faça, parece que é Harry Potter quem está ali, em outra situação que envolve o mundo bruxo da franquia de oito filmes que o tornou conhecido em todo o mundo. Porém, o ator tem mostrado versatilidade e até um bocado de ousadia em suas tentativas de sair da sombra de Potter.

   Versos de um Crime, como é chamado no Brasil, foi dirigido por John Krokidas e foi baseado na história real de Allen Ginsberg, hoje em dia um dos mais premiados poetas da língua inglesa. O enredo gira em torno da chegada de Ginsberg à Universidade de Columbia e de sua insatisfação com a poesia tradicional ensinada no lugar. A válvula de escape para isso, Allen encontra quando conhece Lucien Carr, vivido por Dane DeHaan (que você conhece por Novo Harry Osbourne do Novo Homem Aranha). A vontade de inovar o gênero poético e a relação de cumplicidade entre esses dois personagens vai se tornando algo mais forte, pelo menos por parte do personagem de Radcliffe.

  Aqui, novamente, a relação amorosa entre eles é pano de fundo de uma trama maior, que acaba envolvendo outros personagens. A narrativa do filme, cheia de reviravoltas e suspense, deixa o filme bem sombrio, muito mais um enredo instigante do que a demonstração de um amor gay.

  Não dá pra dizer que a escolha dos dois protagonistas populares entre o público jovem não foi proposital e com a intenção de provocar polêmica e gerar assunto. As fãs eternamente apaixonadas por Harry Potter tomarão um baita choque com esse filme, ao vê-lo em situações tão, ah, diferentes e não vividas pelo bruxo. É a prova final de que Potter não existe mais. Muita competência e trabalho bem feito pelo ator, que comprova versatilidade, apesar de ainda ser difícil olhar pra ele e não ver a cicatriz em forma de raio de quem cresceu vendo os filmes de Harry Potter.

  

  As polêmicas geradas pelos filmes "Praia do Futuro" e "Versos de Um Crime" são maiores do que o fato de seus personagens serem gays. É evidente que eles estão vivendo personagens que não lembrem em nada os papéis que os consagraram, e o público deve também seguir em frente. Ambos são bons atores e os filmes são interessantes e bens construídos, cada um à sua maneira. Quanto ao homossexualismo, no cinema ou na vida, não ganhamos nada rejeitando ou sendo contra. Quem saiu do cinema, perdeu um bom filme, quem é contra na vida, perde um bom tempo.









   


domingo, 1 de junho de 2014

Pitty gastando vidas...


 Há quem diga que Pitty é o último suspiro do rock brasileiro. É claro que isso é mentira, ainda há muitas bandas e artistas que pregam o bom e velho rock`n roll espalhados pelo país. O que acontece é que Pitty foi a última roqueira, digamos, respeitosa, que surgiu no cenário mainstream brasileiro. As rádios e a tv, principais meios de divulgação no Brasil, começaram a negligenciar o rock brasileiro, passando a dar evidência apenas a bandas comerciais, todas medíocres e simplórias, que faziam mais sucesso por seu "estilo" do que por sua música. Acabaram-se as letras interessantes, acabou a contestação. Sobraram as canções de amor, uma menos inspirada do que a outra.

Pitty foi a única que manteve seu espaço, sendo portanto a única representante de um rock mais, digamos, inteligente. Existencialista, suas letras falam sobre as pessoas, sobre percepções humanas. Mesmo que abarrotadas de frases feitas, as músicas da baiana tem um lado contestador do próprio homem, um lado crítico não da sociedade como um todo, mas de atitudes individuais. Desde seu primeiro álbum, "Admirável Chip Novo", de 2003, que isso é perceptível a quem analisa suas letras mais detalhadamente.
 Nos últimos anos, Pitty se dedicou ao projeto folk intitulado Agridoce. Só agora a cantora lançará seu novo álbum, chamado "Sete Vidas". Em termos de sonoridade, o disco não foge muito aos seus três álbuns anteriores, e acaba evidenciando que Agridoce foi realmente uma fase \à parte de sua carreira. Sete Vidas marca o retorno de Pitty a seu lugar comum, e nisso o álbum pode desinteressar quem esperava algo mais elaborado musicalmente.

O grande destaque do disco, porém, está novamente nas letras. Mais uma vez Pitty demonstrou que sabe construir e colocar suas idéias e percepções em músicas que conseguem nos fazer pensar um pouco, algo infelizmente mais raro de se encontrar na música brasileira atual.


Dentre as dez canções de Sete Vidas, cinco se destacam, em minha opinião, muito mais do que o restante. Em se tratando de um disco próximo a seus antecessores, carregando ainda o estigma de retorno de Pitty ao cenário do rock, esses destaques saltam aos ouvidos, mostrando inclusive uma projeção futura. São mais maduras e mais interessantes do que boa parte do catálogo da cantora, envolvendo nessa conta os álbuns anteriores.

O primeiro single, que dá nome ao disco, Sete Vidas, é uma ode ao retorno de Pitty. A cantora diz que está viva, apesar de abatida por tudo o que passou, e que quer ver quem aguenta a pancada de seu retorno. Pode soar pretensioso, mas em se tratando de rock brasileiro na mídia, Pitty é a sobrevivente, a única que se tornou realmente um clássico depois de 2000 (ok, os Los Hermanos também estão nessa conta, mas a banda acabou).

De qualquer forma, a melhor música do álbum, sem dúvidas, é a quinta faixa, "Lado de lá". Feita, segundo a cantora, em homenagem ao seu ex guitarrista e parceiro de composição Peu, que morreu em 2013, a faixa tem um piano que se destaca e uma letra bem forte"Pra que essa pressa de embarcar na jangada que leva pro lado de lá?". Outra faixa interessante é "Olho Calmo", madura misteriosa.

Como destaque final, Boca Aberta, que tem a letra mais crítica de todo o disco, e acredito que de toda a carreira da cantora: "Eta alma, buraco sem fundo, que se vive tentando preencher, com deuses, com terapia, cartão de crédito, academia...". A última faixa, "Serpente", encerra o disco com um clima mais ameno, com guitarras mais bem trabalhadas e com um tom de esperança, "o amanhã já vem..."

Sete Vidas é o retorno de Pitty ao rock que a consagrou na última década. Ela não é uma cantora que agrada a todos, e em seu novo álbum isso não muda. O disco também, no fim das contas, mesmo tendo poucas faixas, não traz tantos destaques quanto poderia. De qualquer forma, é bom que Pitty ainda tenha vidas pra gastar com sua música, pois ela ainda tem um destaque merecido no cenário nacional.



terça-feira, 6 de maio de 2014

Sia: Na Contramão do Caminho Certo.

     Lá em 2011, quando fiz minha primeira postagem nesse blog, minha mente, meus gostos e até meu texto eram muito diferentes de agora. É impressionante como muita coisa mudou. Ainda naquela época, fiz um post entusiasmadíssimo sobre Sia Furler, cantora ainda desconhecida do público, mas que eu acompanhava a algum tempo e estava cada vez mais apaixonado. Eu presumo que, daquele ano pra cá, a vida de Sia tenha mudado bem mais que a minha. De uma australiana pouco conhecida mundo afora, Sia passou a ser uma das mais interessantes e procuradas compositoras do mundo, e saiu de vez do posto de desconhecida, mesmo que não quisesse.
Sia sendo Sia, maravilhosa

   Sia passou a trabalhar com importantes nomes da música pop desde 2011, e a repercussão que suas músicas, mesmo cantadas por outros artistas alcançaram são notáveis. Ela compôs pra Christina Aguilera, Rihanna, Britney Spears, Beyoncé e Shakira e ainda gravou duas músicas com David Guetta que se tornaram  grandes hits, "Titanium" e "She Wolf (Falling to Pieces)". Também colaborou com Flo Rida e Eminem, e teve uma música em parceria com The Weeknd e Diplo na trilha sonora do filme "Jogos Vorazes". A credibilidade que ela passou a ter dentro da música internacional foi imensa.

Sia na capa da Billboard em 2013

    Agora, em 2014, Sia está voltando seus olhos para sua própria carreira. Ela está prestes a lançar um novo álbum quatro anos após "We are Born", se ultimo e excelente álbum de 2010. Só que agora a expectativa em torno desse novo trabalho com certeza aumentou, pois Sia não é mais tão desconhecida e a excelência de seu trabalho ficou bem evidente nas suas últimas incursões e parcerias musicais. Quem já conhece os trabalhos anteriores da cantora também pode sentir-se apreensivo, pois mesmo pregando que não quer ser famosa, ela poderia muito bem colocar sintetizadores e falar de baladas e festas  em seu próximo disco, afinal é dessa fonte de letras pouco criativas que, infelizmente, o pop tem sobrevivido nos últimos anos.

   Lyric Video de "Chandelier"
   
   "Chandelier", a música acima, é o novo single do futuro novo álbum de Sia. Ainda que seu último álbum tenha tido muitas músicas mais dançantes, nenhuma delas tinha aspecto tão diferente das músicas anteriores dela. Essa nova música, porém, soa diferente e mais comercial do que tudo o que Sia fez anteriormente. Ela mesma declarou que escreveu a música pensando em oferecê-la para ser cantada por Rihanna. Ainda bem que não o fez! "Chandelier" tem um aspecto mais comercial sim, mas é fácil perceber que ser comercial e falar de pistas de dança, bebidas e luzes de neon de casas noturnas não é a intenção da cantora.

   As músicas de Sia exigem interpretação, ela não é uma cantora simplista, e essa característica de seu trabalho, mais seu distanciamento do pop comercial estão na letra de "Chandelier". Ela começa cantando que garotas baladeiras não se magoam, que ela está sempre sendo chamada pra festas e que sempre sente o amor das pessoas. Depois ela bebe ( 1 2 3, 1 2 3 drink) e vira copos até perder a conta. No refrão, diz que vai balançar como um candelabro, viver como se não existisse amanhã, voar como um pássaro pela noite, sentir suas lágrimas secarem.

   O que pareceria mais um hino à vida noturna acaba se contradizendo na segunda estrofe, onde ela diz que o sol nasceu e que ela está acabada, que sente necessidade de sair de onde está e que sente muita vergonha. Então ela bebe novamente (1 2 3, 1 2 3 drink), e volta a falar que vai balançar como um candelabro, viver como se não houvesse amanhã etc.

  É claro que as interpretações são livres, mas eu penso no balanço do candelabro (Chandelier, em francês) como a vida noturna em contraponto à vida diurna da canção. Ela começa falando do amor que ela sente quando vai pras baladas, e na segunda estrofe da vergonha que sente por viver dependendo daquilo. Nas duas ocasiões, uma por alegria e outra por vergonha, ela bebe pra se confortar ( 1 2 3, 1 2 3 drink), e em ambas as situações vive  tudo o que ela canta no refrão, porém uma destas situações é uma alegria e a outra uma completa tristeza.

  É genial! Sia fez uma música pop bem próxima aos moldes das canções sobre baladas que a todo momento aparecem, porém ela critica o quão efêmera é a dependência das baladas e até um pouco da música pop, que sempre tocou em boates mas que hoje em dia só fala sobre boates. "Chandelier" nunca deveria ter sido dada a Rihanna, pois apesar da sonoridade, é a música que mais mostrará ao mundo a identidade e a diferença de Sia pra tudo o que faz sucesso nas rádios atuais.

   Se vai fazer sucesso é impossível dizer, mas não importa. O que realmente quero passar com esse post é que Sia é uma das artistas mais geniais que existem atualmente. Sua nova fase, iniciada com "Chandelier" pode causar estranhamento, mas já é possível ver que, mesmo tendo trabalhado com tantos artistas renomados e ficado em constante evidência no cenário musical, ela ainda é aquela Sia que consegue divertir, emocionar e viciar quem a escuta com sua música pop, que caminha na contramão do pop atual, ainda bem!


   

   

quinta-feira, 17 de abril de 2014

#SixSeasonsAndaMovie

    Apesar de gostar muito de acompanhar séries, as de comédia não costumavam ser opção. Eu achava que séries de comédia poderiam muito bem serem vistas de maneira aleatória e não sequencial na tv mesmo, que gastar tempo baixando ou acompanhando esse gênero não era necessário, pois eu nunca iria gostar de uma série de humor tanto quanto eu gostava dos meus dramas e sci-fis. Isso tudo foi antes de eu começar, ainda que desconfiado, a assistir uma série de comédia chamada Community. O que ocorreu depois dese fato é que essa série se tornou um dos meus assuntos preferidos e a minha principal recomendação no quesito séries.


    A história de uma faculdade comunitária, feita para perdedores, onde um advogado bonitão resolve formar um grupo de estudos de espanhol para tentar ficar com uma garota de quem está afim. Ele acaba porém reunindo um grupo improvável de estudantes, completamente diferentes entre si, que passam a conviver e enfrentar as loucuras dessa faculdade. A sinopse pobre e sem atrativos é, na verdade, o principal trunfo de Community. A série, à partir desse enredo, se tornou uma junção de referências e piadas sensacionais, que envolvem desde o mundo da própria televisão até assuntos considerados delicados como o preconceito racial e de gênero.

    Community é uma série despretensiosa, que ri de si mesma e do meio no qual está inserida. Dan Harmon, criador da série, soube fazer um show nerd sobre pessoas não nerds,  brinca com estereótipos e características que são completamente diferentes em cada personagem, proporcionando cenas e diálogos hilários. Como recompensa, quem assiste Community acaba se deparando com episódios inimagináveis, onde tudo pode acontecer, tudo mesmo, de uma dramática partida de RPG a um ataque zumbi ao som de ABBA.
   Infelizmente, o público norte americano parece não achar tanta graça. Audiência nunca foi uma característica marcante de Community, e desde o fim da terceira temporada o risco da emissora que exibe a série, a NBC, cancelá-la é crescente. Os fãs vêm fazendo campanhas para a sua renovação, e o conseguiram duas vezes. Na quarta temporada, porém Dan Harmon se afastou da autoria da série e problemas internos acabaram retirando um dos principais membros do elenco, o que deixou as coisas bem estranhas.

    Ainda assim, as constantes hashtgs e campanhas por renovação permitiram a Community uma quinta temporada. Esta está acabando hoje, e até o elenco está chamando os fãs para tentar uma última renovação para que a série acaba com uma máxima jogada em um dos episódios, onde é dito  que um bom programa de tv deve ter seis temporadas e um filme, Six Seasons and a Movie.

   Infelizmente, a quinta temporada contou com a saída de outro principal integrante do elenco protagonista, o que pode contar negativamente na hora de uma renovação. Ainda assim, boa parte dos fãs parece confiante e promete fazer barulho pedindo pela tão aclamada (inclusive na série), sexta temporada.

   Community se tornou, pra mim, a melhor série de comédia que já existiu. Não por realmente ser isso, mas foi com Community que eu passei a ver as séries de comédia como um produto a ser valorizado, assistido e consumido em sua totalidade. Acabei vendo que as séries de comédia são sim aquelas que nos fazem realmente fanáticos. e como fanático que sou espero que tenhamos mais um ano de diversão, o último, segundo os próprios personagens da série. Mesmo com elenco defasado e um aparente desgaste dos personagens restantes, queremos #SixSeasonsAndaMovie, pois como diz a abertura de Community "I can count the reasons I should stay, but one by one they are just fading away..."

segunda-feira, 17 de março de 2014

Feijão com Arroz: Clássico Subestimado³

     O que mais se nota do carnaval, toda vez que ele acaba, é a efemeridade daquela festa. A máxima do "Todo Carnaval tem seu fim" é mais do que título de música, é uma verdade. Tudo no carnaval é passageiro. É difícil dizer que nasceu no carnaval algo que consideremos duradouro. Esse pensamento traz uma certa melancolia pra festa, mas não deixa de ser verdade. Um exemplo mais do que claro desse rápido esquecimento são as músicas da época, os hits de carnaval. Todo ano eles mudam, e logo que a folia passa são esquecidos por nós e pelos meios de comunicação que costumam executá-los exaustivamente durante os quatro dias de festa. Hoje em dia, a maioria dessas músicas é totalmente descartável, feitas para serem rapidamente consumidas. Porém esse rápido consumo acaba afetando também algumas músicas e artistas que, em outa situação, não seriam negligenciados.

   Quem é Daniela Mercury? Como a mídia a define? Em qualquer lugar que se procure, Daniela Mercury é uma cantora baiana eternamente presa nos anos 90 e em seu dito maior sucesso "O Canto da Cidade". É impressionante como ela está sendo sempre ligada somente a essa música. Recentemente a cantora voltou aos holofotes ao assumir uma relação homossexual. Daniela Mercury é, para boa parte da nova geração, uma cantora de um sucesso só, que não saiu desse sucesso, e agora, pra não desaparecer completamente, resolveu criar polêmicas com a conservadora sociedade brasileira. Uma daquelas celebridades fúteis e sem nenhum conteúdo.

    Caro leitor, Daniela Mercury não é a inventora do axé. Quando começou a fazer sucesso, no começo dos anos noventa, a música baiana já era respeitadíssima até fora do país. O que Daniela fez foi ser, de certa forma, a precursora de uma explosão da música baiana em todo o país. Depois de Daniela Mercury é que conseguiram se tonar sucessos em todo  país as cantoras solos de axé que hoje dominam as paradas musicais brasileiras. Mais do que pioneira, no entanto, Daniela é esmagadoramente melhor do que todas as que a sucederam. A voz, o estilo, as letras, as canções. Daniela é uma pérola única na música brasileira, e dentro ou fora dos aos noventa, essa baiana fez muito mais que ser apenas a cor dessa cidade. Vide como principal exemplo o álbum lançado em 1996, chamado "Feijão Com Arroz".
"Perdoa meu amor..."

     A importância desse disco para a música brasileira é impressionante. Sendo o quarto disco de Daniela, vendeu cerca de dois milhões de cópias no Brasil e 250 mil cópias em Portugal. Ainda que nenhuma das canções do álbum tenha feito mais sucesso que a já citada "O Canto da Cidade", lançada no álbum anterior, o disco tem três canções que se tornaram sucessos imortais. "Nobre Vagabundo", primeira canção e que é, na minha opinião, uma das mais sensacionais músicas brasileiras que existem, "Rapunzel", daquelas que é só ouvir a introdução pra começar a pular e cantar, e "À Primeira Vista", canção de Chico César, belíssima na voz forte de Daniela.
    
    O clima do disco é delicioso e único. É axé, é música baiana, mas não há nenhuma daquelas músicas que acabaram tomando conta do estilo, com frases pobres e de baixo calão. Daniela não te manda descer, subir, rebolar, se mexer, nada disso. E ainda assim ficar parado ou indiferente à mistura e ao balanço delicioso das canções é impossível. Fora os três sucessos, as canções "Minas com Bahia", "Feijão de Corda", "Dona Canô", "Vai Chover" e a canção final "Vide Gal" são ótimos destaques. É um disco que vale em sua totalidade.


   Com um clima maravilhoso, canções divertidas, apaixonadas e sem aquela conhecida apelação que a música popular costuma carregar, aliadas à voz forte e marcante de uma vocalista versátil e competente "Feijão com Arroz" é um disco inesquecível. É uma pena ver que Daniela Mercury é hoje mais conhecida por sua vida pessoal e pelas piadas que fazem com sua outra música, que não deixa de ser muito boa. A capa desse álbum foi eleita a melhor capa de um disco brasileiro em 2005. Espero que a relevância e importância de Daniela Mercury para o cenário musical brasileiro voltem a ser reconhecidas e se sobressaiam à vida privada da artista, pois ela é muito melhor do que todas que a sucederam, e é muito mais do que uma artista que some quando acaba o carnaval, até porque ela é a primeira que canta, ela é o carnaval.
"À Primeira Vista" Sucesso de 1996


   

   





quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Sobre Serial Experimental Lain


   É bem provável que você já tenha se deparado com essa cena: Você e seus amigos juntos, em uma mesa de restaurante por exemplo, dividindo o mesmo espaço, porém todos com as cabeças baixas, de olho nos celulares enquanto a comida não chega. A internet restringe a interação real entre as pessoas. É mais fácil estar conectado, por vezes mais interessante estar online, tendo a facilidade da internet móvel a seu favor, do que se relacionar com as pessoas ao vivo. Não que a internet substitua certas necessidades humanas, mas é no mínimo notável o quanto estarmos conectados online nos desconecta da realidade.

   Pessoalmente, acredito que a facilidade de estar conectado o tempo todo se alia a impessoalidade da internet. Ao vivo, estamos sempre mais expostos,é mais fácil mostrarmos nossas imperfeições. Quando montamos uma rede social, é óbvio que, mesmo que não completamente, ocultemos nossos defeitos, aqueles que todos temos, mas que não os convém mostrar, por motivos óbvios.

   Exibido pela primeira vez em 1998 no Japão, Serial Experimental Lain é um anime já antigo que vagamente passa por essa temática do encanto do mundo da internet em detrimento do mundo real. Digo vagamente porque o anime tem indagações ainda mais profundas do que essa. Mesmo tendo sido lançado há dezesseis anos,fala sobre um assunto mais atual do que nunca.

  Lain é uma menina que vive num mundo onde existe a Wired, uma espécie de internet mais avançada que conecta o subconsciente das pessoas à rede sem precisar, necessariamente, de um computador. Quando Lain ganha um avançado modelo chamado Navy, ela vê em sua caixa de e-mails uma mensagem de uma colega de escola, chamada Shika. Nada estranho  não fosse o fato de que Shika havia se matado poucos dias antes da mensagem chegar.

  O efeito que o novo computador têm sobre Lain é algo a se notar. Pouco a pouco, a menina se afasta de sua vida e começa a viver grudada na Wired. Neste ponto alguns questionamentos são colocados, tendo como exemplo maior a relação da menina com seus pais, fria e distante. Aos poucos, percebe-se que, estando online é que Lain aparentemente é ouvida e vista pelas pessoas, visto que seus pais parecem pouco notá-la.

  A história ganha ares de mistério quando estranhos fenômenos na Wired começam a acontecer. A vida de Lain também começa a mudar quando ela passa a ser observada por pessoas estranhas e, mesmo sem saber como, vê seu nome associado aos estranhos acontecimentos. Será ela a responsável por tudo isso? Lain teria uma dupla personalidade na wired, uma garota completamente diferente do que ela era na vida real?

    É partindo desses mistérios que os treze episódios do anime vão se desenrolando, e enrolando a cabeça do espectador. Uma chuva de mistérios e diálogos aparentemente sem sentido, cenas de suspense em que não se sabe o que está acontecendo exatamente, uma gama de acontecimentos que se acumulam e só vão ser solucionados nos três últimos episódios, e mesmo assim não totalmente.

   Acima do enredo, porém, a discussão sobre o limite entre o real e o virtual, sobre a necessidade da internet e sobre a dependência dela em nossa vida são o ponto mais forte de Serial Experimental Lain.  O ar sci-fi e o clima constante de mistério, e ainda aquela  pegada "psyco" que ele carrega, fazem do anime uma boa pedida não só para quem curte animação, mas para quem gosta de refletir sobre o que vê.

Serial Experimental Lain tem um enredo instigante, cenas surpreendentes e traz uma série de teorias das mais interessantes sobre o limite psicológico e físico que há entre o mundo virtual, ao qual estamos cada vez mais acostumados e cada vez mais dependentes, do mundo real, ou supostamente real (vai que né?) que vivemos. Estão aplicados na série alguns aspectos que fazem dele uma obra única e interessantíssima. Há de se ressaltar que é um pouco difícil de assistir, por vezes muito confuso. Em contrapartida, é um anime bem pequeno, o que faz com que se veja bem rápido. Como curiosidade final, abertura e encerramento, isso na minha interpretação, tem uma profunda relação com o desfecho da trama ( que obviamente não vou contar.) Enquanto não existe pra nós uma Wired, que nos coloque de corpo, alma e mente em outro mundo, Lain pode ser visto até online. E vale a pena!!


   


   


   

   

domingo, 26 de janeiro de 2014

A Arte do Sexo

   O Brasil é  um país de contradições. Essa é uma frase feita das mais comuns em discursos políticos e debates sobre a questão social em nosso país. Eu acabei pensando nessa frase enquanto travava, em minha cabeça, uma discussão sobre a moralidade do brasileiro. Para alguns chamada de conservadorismo, para outros, de preservação da moral e dos bons costumes, é o tipo de discussão chata que fica evidenciada pelos belos traseiros femininos sempre expostos em tv aberta, durante o dia, nos famigerados programas de domingo, em contraposição à não menos chata discussão sobre, por exemplo, o beijo entre homossexuais, que pelo que ouvi recentemente vai acontecer em novela das 21 horas, após anos de hesitação por parte da rede globo.

   O cinema, nacional ou não, tem mais liberdade para trabalhar com o erotismo e com o sexo do que a televisão. Isso acontece por razões óbvias: a tv carrega aquele estigma de ser algo para a família assistir unida na sala, foi feita para entreter todas as idades, sem ferir a moral de ninguém. É no mínimo contraditório esse diálogo que a tv brasileira faz com o sexo, com o erotismo. Os programas pra  família brasileira falam e mostram o sexo o tempo todo, mas de maneira falsamente velada.O que temos é a chamada apelação, a exibição do erotismo usada para ganhar ibope. Qualquer tentativa de sair disso gera mais polêmica, afinal é errado, principalmente para nossas crianças, a exibição desse sexo explícito na tv (só nãovale falar nada em dia de carnaval).

  Esse post não é, no entanto, uma discussão sociológica. Longe disso! Citei o que estava discutindo comigo mesmo porque esse debate interno me veio na saída do cinema, após assistir ao filme Ninf()maníaca, do diretor Lars Von Trier. Um filme que, antes de estrear, causou um imenso alarde devido às cenas explicitas de sexo, que atiçaram, e não há como dizer que não o fariam, a imaginação do público. Afinal, o que chegaria ao cinema, um filme sobre depravação com cenas bem trabalhadas, chocantes e esmagadoramente sexys?? O que, afinal, veio a ser o filme Ninfomaníaca??
    O sexo mexe com a imaginação do público. É um grande trunfo quando utilizado, pois sexo atrai a atenção de todo mundo. Não há como negar a brilhante produção, por exemplo, da série da HBO Game of Thrones, que impressiona em cada cena. Porém é um fato que as cenas de sexo naquela série são um dos principais chamativos para o público. Há diversas maneiras de retratar o sexo, e a maneira com que se faz isso desperta o interesse de todos (além dos corpos nus, claro). Ninfomaníaca ficou estigmatizado, antes do seu lançamento, como m filme que trabalharia o sexo da forma mais explícita e imoral possível, e ver um filme com aspecto tão alternativo sendo exibido em diversas salas de shoppings da cidade é evidência da curiosidade que o filme despertou.

    Lars Von Trier, diretor ousado, fez no entanto algo bem diferente do e se pensava. Há diversas cenas de sexo no filme, sexo explícito, com uma câmera nada tímida mostrando detalhes que, bem, você me entendeu. Só que o filme vai além disso. A história de Joe, ou pelo menos de sua versão mais jovem, que é o que a primeira parte do filme retrata, faz um paralelo da relação da protagonista com o sexo, sua descoberta e como essa relação, digamos, ousada, afeta sua vida e a vida de pessoas ao seu redor.
    O filme tem um certo aspecto de divã, com Joe, mais velha, contando a um homem que a encontra machucada num beco sua vida. Durante o diálogo, ela fala sobre suas angústias em relação a atitudes que tomou, enquanto retrata a ele sua vida como uma viciada em sexo. A relação nada convencional com seus muitos amantes, que ela na maioria das vezes prefere nem chamar pelo nome. À medida em que o filme avança, ela vai se encontrando com outras pessoas, amantes ou não, que passam por sua vida.

  Como aspectos positivos, tem-se como principal fator a genialidade de ser um filme que fala ( e mostra) o sexo, mas de isso não tomar conta da história. O sexo é parte da vida de Joe, mas o que o filme retrata é a vida dela, suas angústias, amores e descobertas. A trilha sonora também tem seus momentos bons e o humor, às vezes picante, presente no filme dá um toque delicioso. Christian Slater defende muito bem seu personagem, o pai da protagonista e Uma Thurman, no pouco tempo em que aparece, está brilhante. Sua sequência é a mais estranha do filme, mas ao mesmo tempo a mais interessante.

      O diálogo da protagonista com seu novo amigo é que, na minha opinião é o ponto mais estranho do filme. Algumas vezes, os personagens estão inspirados e a conversa atinge um nível de genialidade altíssimo. Outras vezes, porém, me soa um pouco forçado a relação que eles estão construindo. É claro que essa relação poderá ser mais bem esclarecida na segunda parte do filme, que mostra a vida da Joe mais madura.

     Ninf()maníaca é um filme polêmico, sem sombra de dúvidas, e que tem como chamativo a vida sexual da protagonista, que proporciona analogias divertidas e interessantes e cenas fortes. Porém, tem um ar de obra de arte, mesmo sendo sobre sexo, não o deixa tomar conta do enredo. Quem assiste ao filme podeaté querer ver as cenas quentes, porém está lá para ver o que afinal de contas acontece na vida de uma mulher doente, viciada em algo.  Ainda tem mais, a parte 2 vem aí e Lars Von Trier parece ainda ter algumas cartas na manga para concluir sua nova obra brilhantemente, sem falsa moralidade como a tv de um certo país que eu conheço. Vêm parte 02!!