quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Excitantemente inspirador, Bufo & Spallanzani - um noir nacional de primeira!

Ainda que tardiamente, aqui estou!
Resolvi deixar a vergonha e a frescura de lado para, finalmente, postar algo. Entendam que assim como Gustavo Flávio (o protagonista das obras que irei tratar aqui), sofro de um bloqueio mental, uma espécie de crise de criação...
Apesar da constante empolgação com blogs, vocês não sabem o quanto é difícil para mim falar sobre algo não ensaiado para um público tão amplo como os internautas.
Espero que o post não seja cansativo e, para os que não conhecem o tema, sirva de estimulo para motivá-los a conhecer.

Durante boa parte da minha infância, minha mãe tentou fazer com que eu tomasse gosto pela leitura. Sempre me incentivando a ler, fazia questão de me comprar volume por volume de Harry Potter para que eu nunca ficasse sem algum livro em mãos. 

Meu colégio no ensino fundamental também teve papel importante no meu histórico literário uma vez que nós, alunos, éramos obrigados a ler no mínimo um livro por trimestre para realizar provas de português e literatura... 

Porém, os esforços que todos faziam eram em vão. Até meus dezesseis anos eu ainda não sabia verdadeiramente o que era “gostar de ler”. Digo isso porque até essa idade eu ainda apresentava relutância diante dos livros e, quando resolvia ler algo, demorava quase um mês inteiro... 

Então eis que milagrosamente crio uma paixão pela escrita. Ideias me inundavam a mente e a vontade de passá-las para o papel era quase sufocante. Mas como eu iria escrever e transmitir minhas emoções sem vocabulário? Eu escrevia tão mal quanto lia. Logo comecei a buscar livros e me dedicar à leitura para enriquecer meu vocabulário.

Eu estava eufórico, havia acabado de ler o Xangô de Baker Street e havia me fascinado com a narrativa do Jô Soares. Me perguntei se existiriam outros livros assim, foi quando me deparei com algo que ouso dizer ser até melhor, Rubem Fonseca. 

Assisti certa vez na televisão um filme nacional, já um tanto quanto antigo, que era a adaptação de um livro cujo título me havia despertado um enorme interesse: Bufo & Spallanzani

“Que diabo de título é esse?” 

Apesar de suas imperfeições cinematográficas, o filme não era ruim! Me serviu de impulso para, após terminar de ler o Xangô, procurar pela obra de Rubem Fonseca. 

E lá estava eu com o livro em mãos. Foi engraçada a forma com a qual a leitura se sucedeu... 

Por mais que o filme e o livro sejam escandalosamente distintos em certos aspectos, eu conseguia imaginar perfeitamente os atores do cinema em seus personagens no livro e, mais que isso, as cenas do filme se repetiam na minha mente conforme eu lia, os diálogos tinham a mesma entonação e isso tudo contribuía para que eu achasse o livro fantástico. 

Mas vamos deixar o filme um pouco de lado agora. 


Com Bufo & Spallanzani, Rubem Fonseca apresenta ao leitor não um romance policial, mas sim uma colcha de retalhos de todo o gênero investigativo, onde ele usa e abusa de seu domínio narrativo - conhecido pela cáustica ironia e a brutal franqueza. O abuso da metalinguagem, que transforma o livro em um intrigante jogo de verdades e mentiras, é uma mistura de ficção e realidade muitas vezes contundente. 

Zé Mayer esbanjando estilo, EUHEUH.
A obra também critica a sociedade capitalista burguesa que dificulta a sobrevivência de romances modernos. Seu protagonista - e narrador - Gustavo Flávio é um escritor que, pressionado pela editora, precisa publicar às pressas um livro. Entretanto ele se vê perdido em meio a uma crise de criação, que remete ao paradigma vivido pelos romances modernos na atualidade. 

Nesse enredo de Rubem Fonseca várias histórias se misturam e entrelaçam. Novas tramas surgem de forma simultânea ao desenrolar do mistério principal. Os acontecimentos da vida do protagonista são narrados em flash-back: ora a nós leitores, ora a Minolta, sua namorada, amiga, amante e confidente. Porém, um cuidado é necessário durante a leitura: não confundir a personagem Gustavo Flávio com o autor Rubem Fonseca. 


Voltando à adaptação para o cinema, Flávio R. Tambellini se mostrou extremamente competente na direção de um longa-metragem. Bufo & Spallanzani (2001) se tornou em exemplar raro nas mãos do diretor que explorou com sabedoria o gênero policial, tão pouco aproveitado pelos cineastas nacionais. 

Nas telas, a trama já começa em clima de mistério: uma burguesa (Maitê Proença) é encontrada morta dentro de seu carro com um tiro no peito e uma arma na mão. Suicídio? O escritor Gustavo Flávio contesta com veemência. Ele vai à polícia informar que o assassino é próprio marido da milionária, Eugênio Delamare (Paulo Gracindo). E assim a história caminha, envolvendo corrupção, obsessão, sexo, investigações e anfíbios. 
Tony Ramos como o tira Guedes 

É interessante ver como Tambellini não revela em nenhum momento ser um estreante, pelo contrário. Ele se mostra um grande diretor de atores.
Tony Ramos se mostra exímio como um tira pertinente e incorruptível. Isabel Guerón abusa e inebria os espectadores com sua beleza, nos deixando apaixonados pela hippie naturalista que interpreta. Outro ator digno de muito mérito é Juca de Oliveira como o biólogo excêntrico responsável pelas partes mais engraçadas da película. Não foi por acaso que esses três nomes foram consagrados através da premiação do Festival de Gramado!
Zé Mayer, como protagonista, faz o papel do garanhão de meia-idade, rótulo que o consagrou na televisão. E para completar o time de grandes astros nacionais temos ainda a participação mais que especial do talentoso Matheus Nachtergaele como Agenor,criminoso meia-boca que se passa por assassino de araque.
Juca de Oliveira e Isabel Guerón

O roteiro, apesar de diferir bastante da obra literária, é enxuto e bem adaptado. A trilha sonora de Dado Villa-Lobos, desempenha com louvor um importante papel na criação do clima de suspense, encaixando-se perfeitamente com a fotografia que nos remete automaticamente ao clima noir dos antigos filmes policias de Hollywood. 


Sem dúvidas, Bufo & Spallanzani é uma obra prima nacional de vital importância tanto para o cinema quanto para a literatura, mostrando-se original e extremamente divertida. Um material raro em nosso país que merece destaque e muitos elogios.



Bufo & Spallanzani (livro)
Edição: 1
Editora: Nova Fronteira
Ano: 2011 (essa edição, a original é de 1986)
Páginas: 352




Bufo & Spallanzani (filme) 
Título: Bufo & Spallanzani
País de Origem: Brasil
Gênero: Policial
Tempo de Duração: 96 minutos
Ano de Lançamento: 2001
Direção: Flávio R. Tambellini

Elenco:
José Mayer ... Ivan Canabrava / Gustavo Flávio
Tony Ramos ... Guedes
Isabel Guéron ... Minolta

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