domingo, 1 de junho de 2014

Pitty gastando vidas...


 Há quem diga que Pitty é o último suspiro do rock brasileiro. É claro que isso é mentira, ainda há muitas bandas e artistas que pregam o bom e velho rock`n roll espalhados pelo país. O que acontece é que Pitty foi a última roqueira, digamos, respeitosa, que surgiu no cenário mainstream brasileiro. As rádios e a tv, principais meios de divulgação no Brasil, começaram a negligenciar o rock brasileiro, passando a dar evidência apenas a bandas comerciais, todas medíocres e simplórias, que faziam mais sucesso por seu "estilo" do que por sua música. Acabaram-se as letras interessantes, acabou a contestação. Sobraram as canções de amor, uma menos inspirada do que a outra.

Pitty foi a única que manteve seu espaço, sendo portanto a única representante de um rock mais, digamos, inteligente. Existencialista, suas letras falam sobre as pessoas, sobre percepções humanas. Mesmo que abarrotadas de frases feitas, as músicas da baiana tem um lado contestador do próprio homem, um lado crítico não da sociedade como um todo, mas de atitudes individuais. Desde seu primeiro álbum, "Admirável Chip Novo", de 2003, que isso é perceptível a quem analisa suas letras mais detalhadamente.
 Nos últimos anos, Pitty se dedicou ao projeto folk intitulado Agridoce. Só agora a cantora lançará seu novo álbum, chamado "Sete Vidas". Em termos de sonoridade, o disco não foge muito aos seus três álbuns anteriores, e acaba evidenciando que Agridoce foi realmente uma fase \à parte de sua carreira. Sete Vidas marca o retorno de Pitty a seu lugar comum, e nisso o álbum pode desinteressar quem esperava algo mais elaborado musicalmente.

O grande destaque do disco, porém, está novamente nas letras. Mais uma vez Pitty demonstrou que sabe construir e colocar suas idéias e percepções em músicas que conseguem nos fazer pensar um pouco, algo infelizmente mais raro de se encontrar na música brasileira atual.


Dentre as dez canções de Sete Vidas, cinco se destacam, em minha opinião, muito mais do que o restante. Em se tratando de um disco próximo a seus antecessores, carregando ainda o estigma de retorno de Pitty ao cenário do rock, esses destaques saltam aos ouvidos, mostrando inclusive uma projeção futura. São mais maduras e mais interessantes do que boa parte do catálogo da cantora, envolvendo nessa conta os álbuns anteriores.

O primeiro single, que dá nome ao disco, Sete Vidas, é uma ode ao retorno de Pitty. A cantora diz que está viva, apesar de abatida por tudo o que passou, e que quer ver quem aguenta a pancada de seu retorno. Pode soar pretensioso, mas em se tratando de rock brasileiro na mídia, Pitty é a sobrevivente, a única que se tornou realmente um clássico depois de 2000 (ok, os Los Hermanos também estão nessa conta, mas a banda acabou).

De qualquer forma, a melhor música do álbum, sem dúvidas, é a quinta faixa, "Lado de lá". Feita, segundo a cantora, em homenagem ao seu ex guitarrista e parceiro de composição Peu, que morreu em 2013, a faixa tem um piano que se destaca e uma letra bem forte"Pra que essa pressa de embarcar na jangada que leva pro lado de lá?". Outra faixa interessante é "Olho Calmo", madura misteriosa.

Como destaque final, Boca Aberta, que tem a letra mais crítica de todo o disco, e acredito que de toda a carreira da cantora: "Eta alma, buraco sem fundo, que se vive tentando preencher, com deuses, com terapia, cartão de crédito, academia...". A última faixa, "Serpente", encerra o disco com um clima mais ameno, com guitarras mais bem trabalhadas e com um tom de esperança, "o amanhã já vem..."

Sete Vidas é o retorno de Pitty ao rock que a consagrou na última década. Ela não é uma cantora que agrada a todos, e em seu novo álbum isso não muda. O disco também, no fim das contas, mesmo tendo poucas faixas, não traz tantos destaques quanto poderia. De qualquer forma, é bom que Pitty ainda tenha vidas pra gastar com sua música, pois ela ainda tem um destaque merecido no cenário nacional.



Nenhum comentário:

Postar um comentário