domingo, 30 de agosto de 2015

Você tem o que é preciso pra fazer parte desta sociedade?

  Disfunção social. Depressão crônica. Vício em drogas e a constante sensação de que você não faz parte desse mundo. Você não se encaixa aos gostos e desejos das outras pessoas, que são nada mais do que reprodutores de vaidades falsas e da ilusão de liberdade em que vivemos. Você enxerga além disso, enxerga o mal que a sociedade faz aos homens, enxerga que há alguns poucos com o poder de controlar tudo. E, de repente, você ganha a oportunidade de mudar isso.



 Partindo de questionamentos sociais sobre liberdade de escolha e humanidade, a série Mr Robot traz ao longo de um enredo recheado de mistérios e bons personagens uma crítica social atual e bem estruturada. A primeira temporada, que termina no próximo dia 02/09, surpreendeu pela produção caprichada alinhada a crítica feroz do texto.

O perfil do protagonista Elliot, um hacker que trabalha em uma companhia de segurança online, completamente anti social e com a estranha mania de hackear todos ao seu redor, afim de chantageá-los quando encontra seus "podres", pode soar como clichê. No entanto, seu perfil anti social é o estopim tanto para o enredo central da série quanto para  reflexão que aqui se tenta passar.

 Elliot tem que proteger de um ataque online de um misterioso grupo de hackers a chamada "E (vil) Corporation", conglomerado empresarial que dita o consumo das pessoas estando em todos os ramos de comércio possíveis. A Evil Corporation é responsável por uma tragédia pessoal na vida do protagonista, e é aí que ele questiona se deve ou não ajudá-los.

 Elliot vai ter então contato com o grupo que quer derrubar o conglomerado do mal. Revolucionários ou perturbadores da ordem? Entre ajudá-los ou enfrentá-los, o protagonista se defronta com seus próprios defeitos e com as fragilidades ideológicas de uma sociedade falsa e apodrecida.


 Em relação à reflexão que a série se propõe a fazer, o principal mote é ilusão de liberdade que vivemos. O poder se encontra na mão de poucos e estes parece que são os que fazem as escolhas por todos. Mr Robot tem um texto feroz e explícito em relação a essa problemática, e a série consegue despertar no espectador o senso crítico que cobra de seus próprios personagens.

 Quanto ao enredo, é interessante a sutileza com que a série coloca sua crítica em qualquer ideologia política. A crueldade da chamada mão invisível equipara-se ao despreparo da revolução que quer subverter esse sistema. Elliot, protagonista intelectualmente esclarecido mas emocionalmente despreparado, é lançado em meio ao furor de um mundo cruel que luta internamente contra si mesmo, e coloca-se entre a vontade e a impossibilidade de mudar tudo.

 Mr Robot conta, portanto, a história de um jovem rebelde que, ao não encontrar lugar no mundo em  que vive, percebe que deve tentar modificá-lo. Uma crítica a racionalidade confusa e ambígua de nossa sociedade, a série mistura perfeitamente um enredo cheio de reviravoltas a crítica social que acaba ultrapassando o enredo e atinge em cheio o espectador. Prestes a encerrar sua primeira temporada, a série é muito bem produzida e tem um elenco deveras competente, fazendo quem assiste parte da história, afinal, estamos assistindo uma crítica a nós mesmos.





domingo, 23 de agosto de 2015

Velhos Amigos

               No final do ano de 2011 foi anunciado um novo projeto da Maurício de Souza Produções. Chamada hoje em dia de Graphic MSP  (termo apropriado pelo formato, Graphic Novels), este projeto trás de volta à tona os personagens criados pelo mestre Maurício de Souza de outra forma. Cada edição foca em um dos vários núcleos de personagem do autor,  trazidos aqui com novo traço e novas histórias, algumas até mais sérias.





               A primeira revista foi lançada em Outubro de 2012. “Astronauta – Magnetar” trata do personagem Astronauta em suas viagens espaciais. Essa graphic novel já trata de um assunto mais adulto do que normalmente é visto nas revistas comuns da produtora. Viajando pelo espaço sozinho, é vista em primeira mão a solidão a que o Astronauta está submetido em sua missão. A revista também apresenta em forma de flashbacks uma grande parte da história do protagonista, mostrando sua motivação para ter embarcado na sua jornada e ter abandonado seus entes queridos.







               Representando a turminha do limoeiro, os irmãos, Vitor e Lu Cafaggi, lançam “Turma da Mônica – Laços”. A história de aventura bota os quatro personagens favoritos da produtora procurando Floquinho, o cachorro verde de Cebolinha. A trama é simples mas  muito divertida, mostrando quão unido o grupo verdadeiramente é. Dentre as quatro revistas dessa primeira parte do projeto, essa é definitivamente a mais emocionante, trazendo de volta os sentimentos que permearam a nossa infância, finalizando com uma conclusão completamente tocante a respeito da amizade entre os personagens.





               Para mudar a visão do personagem, Gustavo Duarte lançou como terceira revista do selo, “Chico Bento – Pavor Espaciar”. O personagem é conhecido por ter histórias que retratam a vida na roça, mais perto da flora e da fauna do país, mas na graphic novel, há uma trama de ficção cientifica para o pobre Chico, no clima do cliché de abduções em lugares afastados da cidade, onde alienígenas fazem experimentos com seres vivos. Dentre as revistas da primeira leva, ela é a que carrega mais referências de outros núcleos, assim deixando a história com alguns easter eggs.





                Terminando o primeiro grupo do Graphic MSP, lançado por Shiko, “Piteco – Ingá” trata da vida pré-histórica, demonstrando a interação entre vilas e o papel das crenças dos povos em suas ações sociais. Misturando personagens mortais com as divindades de sua religião, a história em quadrinhos bota Piteco numa jornada para ajudar Thuga. A aventura quase parece com a de um herói da mitologia grega, a constante mistura entre deuses e homens traz uma pitada de magia para o mundo pouco desenvolvido do núcleo.


               A leitura das revistas é uma boa forma de revisitar esses velhos amigos que conviveram com tantas gerações brasileiras sendo vistos e levados para outra perspectiva. Combinado com a diversidade de gêneros de história apresentados até agora, cada revista carrega um clima único, como se os próprios personagens tivessem crescendo com os leitores e desenvolvendo novas facetas de suas personalidade. Agora o que tem a ser feito é aguardar o que o selo reserva de novo para o consumidor.

domingo, 16 de agosto de 2015

No Angel: Clássico Subestimado



Chamar de subestimado um disco que vendeu mais de 21 milhões de cópias, sendo o disco mais vendido do ano de 2001, com músicas até hoje executadas pelas rádios e até com tema de novela no Brasil pode parecer um exagero, quem sabe até mesmo um equívoco. Porém, em uma comparação com os posts anteriores que chamei de clássicos subestimados (este, este, e este), pode-se dizer que No Angel, da Dido, é até então o mais subestimado de todos.

Os discos citados antes se tornaram subestimados por sempre existir um outro trabalho do mesmo artista que acaba ficando mais conhecido do que o "clássico" em questão. Dido, porém, faz o caminho inverso. Depois de No Angel, a cantora, embora tenha lançado discos excelentes, não superou ou sequer alcançou o sucesso do seu álbum de estréia.

Isso pode ter várias razões. A principal delas, obviamente, é a excelência do disco. Com um dos timbres femininos mais bonitos do planeta, letras pautadas por melancolia e batidas eletrônicas suaves mescladas a instrumentos acústicos, No Angel é uma obra prima. O disco não tem defeitos e gruda à primeira ouvida. Dido chegou impressionando e conquistando público e crítica. Sucesso absoluto.


Thank You solo

 A canção mais conhecida de No Angel é "Thank You", que à época foi utilizada por Eminem em sua canção Stan, com direito a Dido participando do clipe. O sucesso de "Stan" impulsionou o disco (Eminem era um dos maiores artistas da época) e foi mantido com outras canções como "Hunter", "Here With Me" e "My Lover`s Gone".

Thank You ft Eminem

 Mas afinal, se não foram os trabalhos posteriores, o que tornou No Angel um clássico subestimado? Onde está Dido, que parece ter desaparecido do mundo da música? As canções do disco ainda podem ser ouvidas em emissoras de rádio por aí, porém Dido parece ter sido sufocada por seu próprio trabalho.

O "problema", em aspas porque aqui isso é relativo, é a semelhança dos trabalhos posteriores ao álbum de estréia de Dido.  Os discos que vieram depois ficam à sombra de sua "matriz". Dido parece ter encontrado um certo lugar comum em "No Angel", e seus trabalhos seguintes não tem vida própria, sendo todos uma espécie de continuação do primeiro. 



Prova maior disso é o segundo disco da cantora, "Life for Rent". O disco é o maior em sucesso em relação ao primeiro, porém as canções dos dois são semelhantes a ponto de nem sabermos que se tratam de discos diferentes. Dido, embora tenha feito um trabalho excelente em No Angel, parece ter feito desse disco uma fórmula, repetida à exaustão e, consequentemente, esgotada.

No Angel é um dos melhores discos femininos dos anos 90, é reconhecido e reprisado até hoje, agradável aos ouvidos e viciante. Porém, Dido tentou e tenta repetir a fórmula do disco desde seu lançamento, o que faz com que suas canções soem a anos as mesmas, cópias umas das outras, deixando seu trabalho, como um todo, em um certo lugar comum. Um lugar comum excelente, porém sem divisões e aparentemente sem amadurecimento, sem mudanças. Infelizmente, todo o trabalho da cantora sofre com isso, pois tem-se a impressão que Dido canta as mesmas coisas a anos, e mesmo que sejam coisas excelentes, acabam sendo deixadas de lado.


domingo, 9 de agosto de 2015

Prepare-se Para Morrer

Todas as pessoas de certa forma imaginam ser um personagem principal de um filme chamado “sua vida”. Assim, elas se sentem no direito de reclamar o que todo protagonista merece, um final feliz. Apesar de que é verdade que todas as pessoas deveriam ser felizes, não é sempre o caso. Então quando uma mídia resolve tratar esse outro aspecto do fim de um personagem ela se torna interessante.

                Em setembro de 2011, a desenvolvedora de games From Software lançou Dark Souls, um jogo ambientado num cenário medieval fantástico que é frequentemente lembrado por ter mecânicas altamente punitivas ao jogador. O sucessor de Demon Souls foi um sucesso tanto com a crítica quanto com os fãs, vendendo mais de 2,3 milhões de cópias ao redor do mundo. O sucesso escalou tanto que em 2014 foi lançado o seu sucessor Dark Souls 2 e na E3 de 2015 foi anunciado Dark Souls 3.





Apesar de Dark Souls ser comentado por sua dificuldade brutal, o sentimento que o jogador leva da experiência é a atmosfera muito pesada e escura. O marketing foi feito em cima da jogabilidade, com suas frases “You will die” ou o nome da versão especial do jogo “Prepare to Die Edition”, ainda sim não é a única coisa oferecida. Dentro do próprio jogo, tudo gira em torno de passar para o jogador um sentimento de desespero.

No mundo fictício de Lordran há uma maldição que torna as pessoas imortais, assim qualquer batalha travada não é uma questão de vida ou morte, e sim uma questão de força de vontade. Esse aspecto também é refletido no seu gameplay que é muito desafiador, e fracasso traz consequências fortes.  O jogo revolve em torno de lutar contra o inevitável, e como isso é pessoalmente importante, pois é possível criar significado através da falta de significado.

                O objetivo do jogo é que o personagem principal cumpra uma profecia, que promete que ao fim de sua jornada, ele saberá qual o destino dos mortos-vivos. A história do jogo é apresentada de uma forma incomum, sendo necessário ler descrições de magias e itens para que se entenda melhor como o mundo funciona e as motivações dos diversos personagens que aparecem durante sua jornada.





                O diretor Hidetaka Myazaki trabalhou muito bem a dualidade no jogo, evitando clichês. Luz, trevas, morte, vida, esses aspectos são tratados de forma muito original, e o mesmo se aplica para os heróis e vilões, ninguém é incontestavelmente mau, assim como ninguém é verdadeiramente altruísta. Cada personagem do jogo luta pelo que acredita, ou para lidar com seus demônios pessoais, e isso é importante, pois os mortos-vivos que abandonam suas jornadas geralmente ficam loucos com sua própria imortalidade.


                Apesar de o jogo ter um cenário medieval, com cavaleiros de armadura lutando contra dragões, ele está longe de ser um conto de fadas. Não interessa se a história ou os jogadores retratam os personagens como heróis, vilões ou aventureiros, cada ação tem sua consequência e não importa que eles não façam nada de errado, tragédia ainda os encontrará. Não existem finais felizes em Lordran.





domingo, 2 de agosto de 2015

Os Sentimentos da Máquina

   A expectativa humana em imaginar o futuro é uma prerrogativa sempre presente em nosso cinema, literatura e na imaginação humana em geral. Uma das ideias mais concebidas a esse respeito é a do futuro onde as máquinas são parte integrante e presente em nossa vida. E ainda mais adentro dessa perspectiva, há aquele ramo da arte que pensa as máquinas como seres com sentimentos, sensações que os aproximam dos humanos de forma aterrorizante.

  As máquinas, criações humanas, ao sentirem e pensarem como nós, nos superam por serem aparentemente mais fortes. É a criatura que se revolta contra o criador ao se aproximar dele. Grandes obras da literatura como as de Isaac Asimov exemplificam essa tendência de nosso pensamento. A ficção científica fascina justamente por essa incerteza.

  O objetivo dessa postagem, porém, é analisar uma tendência contrária a essa. Não contrária como um todo, pois a aproximação de uma máquina aos sentimentos humanos não deixa de existir aqui. Porém, aqui, há uma máquina que mantém seu objetivo de fazer o que faz com uma perfeição quase mecânica, porém humana o suficiente pra traduzir esse sentimento humano em arte, em música. Uma máquina que, ao entrar em contato com seu sentimento, produziu a perfeição chamada Florence Welch.



  Desde que despontou na música a cerca de 5 anos com a impactante "Dog Days are Over" , do maravilhoso álbum de estréia "Lungs", que Florence + The Machine se destaca com um som único e uma imagem que une beleza e simetria. É algo pouca vezes falado em relação a banda, mas a visível dedicação a imagem é intrínseca ao som. O visual de clipes, shows e apresentações é carregado de referências, todas dispostas junto ao repertório da banda, de forma a criar um produto artístico musical e teatral novo e fascinante.

  Neste ano essa valorização visual somada aos sentimentos humanos da máquina alcançou um novo nível. Com o disco "How Big, How Blue, How Beautiful", Florence + The Machine traduz em música uma melancolia e uma contemplação perfeitas, atingidas com a precisão de uma máquina, humanas em sua visceralidade e em sua dor.

 É o melhor disco da banda, uma experiência de autoconhecimento  e maravilhamento. Florence continua criativa e parece cada vez mais entregue ao seu próprio trabalho. É um disco grande, triste e lindo, em proporções novas e precisas, precisas como só uma máquina pode fazer.

 Com uma sonoridade tão perfeita, é claro que a imagem da máquina também se aperfeiçoa. Junto ao disco, Florence + The Machine começaram uma saga chamada "The Odyssey." Esta saga consiste em videoclipes das faixas do álbum, aparentemente independentes, mas que se interligam. Nos clipes, Florence aparece em uma jornada em busca do amor, de si mesma, ainda não se sabe com exatidão.

A multiplicidade de interpretações aos vídeos ganhou os fãs e a internet, e é exatamente a incerteza do significado que faz da saga audiovisual da banda uma maneira nova e intrigante de contemplá-la. Nesta semana, "The Odyssey" ganhou o quarto e quinto capítulos de sua história, sendo um deles a melhor faixa do disco, "Queen of Peace".




  Grandioso, triste, lindo. Na vanguarda da ficção científica, traduzindo a precisão e a mecanização em sentimento, contemplação e maravilhamento, Florence + The Machine, seja com sua música ou com a experiência "The Odyssey", se mostra como uma das melhores experiencias musicais atuais, maquinalmente perfeita, sentimentalmente intrigante e impactante. Que venham mais capítulos, que venha mais perfeição.




Capítulo 01, pra quem quiser começar.