segunda-feira, 17 de março de 2014

Feijão com Arroz: Clássico Subestimado³

     O que mais se nota do carnaval, toda vez que ele acaba, é a efemeridade daquela festa. A máxima do "Todo Carnaval tem seu fim" é mais do que título de música, é uma verdade. Tudo no carnaval é passageiro. É difícil dizer que nasceu no carnaval algo que consideremos duradouro. Esse pensamento traz uma certa melancolia pra festa, mas não deixa de ser verdade. Um exemplo mais do que claro desse rápido esquecimento são as músicas da época, os hits de carnaval. Todo ano eles mudam, e logo que a folia passa são esquecidos por nós e pelos meios de comunicação que costumam executá-los exaustivamente durante os quatro dias de festa. Hoje em dia, a maioria dessas músicas é totalmente descartável, feitas para serem rapidamente consumidas. Porém esse rápido consumo acaba afetando também algumas músicas e artistas que, em outa situação, não seriam negligenciados.

   Quem é Daniela Mercury? Como a mídia a define? Em qualquer lugar que se procure, Daniela Mercury é uma cantora baiana eternamente presa nos anos 90 e em seu dito maior sucesso "O Canto da Cidade". É impressionante como ela está sendo sempre ligada somente a essa música. Recentemente a cantora voltou aos holofotes ao assumir uma relação homossexual. Daniela Mercury é, para boa parte da nova geração, uma cantora de um sucesso só, que não saiu desse sucesso, e agora, pra não desaparecer completamente, resolveu criar polêmicas com a conservadora sociedade brasileira. Uma daquelas celebridades fúteis e sem nenhum conteúdo.

    Caro leitor, Daniela Mercury não é a inventora do axé. Quando começou a fazer sucesso, no começo dos anos noventa, a música baiana já era respeitadíssima até fora do país. O que Daniela fez foi ser, de certa forma, a precursora de uma explosão da música baiana em todo o país. Depois de Daniela Mercury é que conseguiram se tonar sucessos em todo  país as cantoras solos de axé que hoje dominam as paradas musicais brasileiras. Mais do que pioneira, no entanto, Daniela é esmagadoramente melhor do que todas as que a sucederam. A voz, o estilo, as letras, as canções. Daniela é uma pérola única na música brasileira, e dentro ou fora dos aos noventa, essa baiana fez muito mais que ser apenas a cor dessa cidade. Vide como principal exemplo o álbum lançado em 1996, chamado "Feijão Com Arroz".
"Perdoa meu amor..."

     A importância desse disco para a música brasileira é impressionante. Sendo o quarto disco de Daniela, vendeu cerca de dois milhões de cópias no Brasil e 250 mil cópias em Portugal. Ainda que nenhuma das canções do álbum tenha feito mais sucesso que a já citada "O Canto da Cidade", lançada no álbum anterior, o disco tem três canções que se tornaram sucessos imortais. "Nobre Vagabundo", primeira canção e que é, na minha opinião, uma das mais sensacionais músicas brasileiras que existem, "Rapunzel", daquelas que é só ouvir a introdução pra começar a pular e cantar, e "À Primeira Vista", canção de Chico César, belíssima na voz forte de Daniela.
    
    O clima do disco é delicioso e único. É axé, é música baiana, mas não há nenhuma daquelas músicas que acabaram tomando conta do estilo, com frases pobres e de baixo calão. Daniela não te manda descer, subir, rebolar, se mexer, nada disso. E ainda assim ficar parado ou indiferente à mistura e ao balanço delicioso das canções é impossível. Fora os três sucessos, as canções "Minas com Bahia", "Feijão de Corda", "Dona Canô", "Vai Chover" e a canção final "Vide Gal" são ótimos destaques. É um disco que vale em sua totalidade.


   Com um clima maravilhoso, canções divertidas, apaixonadas e sem aquela conhecida apelação que a música popular costuma carregar, aliadas à voz forte e marcante de uma vocalista versátil e competente "Feijão com Arroz" é um disco inesquecível. É uma pena ver que Daniela Mercury é hoje mais conhecida por sua vida pessoal e pelas piadas que fazem com sua outra música, que não deixa de ser muito boa. A capa desse álbum foi eleita a melhor capa de um disco brasileiro em 2005. Espero que a relevância e importância de Daniela Mercury para o cenário musical brasileiro voltem a ser reconhecidas e se sobressaiam à vida privada da artista, pois ela é muito melhor do que todas que a sucederam, e é muito mais do que uma artista que some quando acaba o carnaval, até porque ela é a primeira que canta, ela é o carnaval.
"À Primeira Vista" Sucesso de 1996