terça-feira, 16 de abril de 2013

Sunadokei: Crônicas de Areia

        Geralmente, eu detesto divisões. Não é bem detestar, na verdade. De certa forma eu não concordo com elas. Divisões como as de gênero musical, tipos de filme ou literaturas diferentes costumam me parecer sempre equivocadas, provavelmente devido às interações e mesclas de estilos que costumam aparecer nestes mesmos gêneros. A única exceção fica em relação a mangás e animes. Shonens, shoujos e seinens são completamente diferentes em tantos aspectos que chegam a evidenciar a organização dura dos japoneses.
     
        Independentemente do grupo ao qual se designam, os mangás shoujos, ou seja, para garotas, sempre foram de longe os mais fracos e desinteressantes do gênero. Isso se dá por várias razões, que vão desde os traços mais pobres e personagens mais rasos e comuns, até a semelhança com um gênero extremamente popular no Brasil, as novelas.

      Afinal, é isso que são os mangás shoujos, grandes novelas! Daquelas com mocinha tímida, vilãzinha venenosa e galã abobalhado. Pode soar preconceituoso, até porque eu não tenho grande experiência com a leitura destes, mas não costuma variar dessa temática escolar. Possivelmente meninas japonesas gostam desse tipo de história assim como brasileiros gostam dos clichês novelísticos.

    Partindo dessas afirmativas, Sunadokei foi um mangá que chegou pra mim despertando desconfianças. Eu costumo ter um "feeling" com mangás, filmes e bandas. É como julgar um livro pela capa, porém de forma positiva. Olho, gosto do que vejo, e compro! Foi arriscado fazer isso com Sunadokei, porém meu "feeling" pelo visto não se engana. O mangá me surpreendeu como nunca.

  
     Sunadokei: O Relógio de Areia (como é chamado no Brasil) conta a vida de Ann Uekusa usando um sistema de capítulos diferente. Cada capítulo que permeia os dez volumes da série se passa em uma idade diferente da protagonista, em uma estação do ano. Ou seja, a história começa no inverno em que Ann tinha doze anos. Isso faz com que o crescimento da garota e dos outros personagens seja rápido e subjetivo. À medida em que ficam mais velhos ficam mais maduros, o que só é perceptível pelos traços da autora.

    Com certeza é o tipo de sistema que não daria certo em mangás shoujos convencionais. A diferença de Sunadokei é a profundidade dos conflitos apresentados. A paixonite adolescente de Ann está lá sim, como em todo mangá shoujo, porém os conflitos familiares e a inconstância da personalidade dos protagonistas dá um tom bem mais interessante à história.

    No enredo, Ann, nascida e Tóquio, muda-se para a vilazinha de Shimane, lugar onde nasceu sua mãe, após o divórcio dos pais. Adaptar-se a um lugar frio, onde todos sabem da vida de todos, se torna um desafio difícil para a garota, que ainda têm que lidar com a avó autoritária e a mãe que passa por um período de profunda depressão.

    Ela acaba encontrando alento quando faz amizade com um morador da cidade, Daigo Kitamura. Os dois vão trabalhar na casa da família nobre da vila e acabam fazendo amizade também com os riquinhos do lugar Fuji e Shika Tsukushima. Um quarteto que, ao longo de seu crescimento, vai viver da descoberta do amor à depressão, passando por momentos de vilania e obsessão pelo outro.


         Já no primeiro volume, a vida de Ann têm uma reviravolta que mostra que o amor adolescente é pano de fundo, e não a verdadeira temática do mangá. É impactante e cruel por parte da autora, mas é extremamente relevante para o crescimento da personagem e para as decisões que ela toma à partir dali. Seus amigos também têm seus dramas pessoais, e uma teia de acontecimentos aparentemente cotidianos, mas de grande importância para a vida deles vai se desenrolando.

      Pode-se dizer que o final de Sunadokei é feliz, porém isso nem é o mais importante. O interessante mesmo é ver a belíssima construção que a autora faz de um período tão intenso como a adolescência, fugindo dos clichês dos shoujos tradicionais e ainda assim mantendo características que acabam sendo fundamentais para a compreensão da história. Dez volumes de uma obra que vale a pena ser lida, toda já publicada no Brasil pela Panini. Experimente!