domingo, 28 de outubro de 2012

O Enterro da Cafetina : Divertidas reflexões sobre morcegos


Escritor, roteirista, redator. Essas são algumas funções atribuídas a Edmundo Nonato, mais conhecido por seu pseudônimo Marcos Rey (1925 -1999). Deveras famoso por suas histórias voltadas para o público infanto-juvenil, Rey é um dos principais e mais consagrados autores da famosa coleção Vaga-lume, que você provavelmente deve ter conhecido no auge de seus doze ou treze anos.

Marcos Rey, porém, também era famoso por seus romances e contos voltados para o público adulto. Conhecido e criticado! Os "especialistas" nunca engoliam bem os tórridos casos amorosos contados por Rey, regados ao consumo de álcool e ao apelo erótico usado pelo escritor. Usando sempre como cenário a cidade de São Paulo, onde nasceu e viveu, o maior talento de Rey era falar sobre quem podemos chamar de "adoradores da noite". É com este contexto que chegamos à obra que dá título a esta postagem, o livro "O Enterro da Cafetina", de 1967.

Não há nada de gótico, vampiresco ou sombrio na denominação "adoradores da noite". Apesar de provavelmente estampar a capa de um filme B qualquer, costumo usar esse termo  para denominar as personagens do livro. Isso porque, acima de qualquer paixão ou desejo, tais personagens são a noite. Amam o glamour da noite, o perigo que as ruas escuras podem trazer. São personagens que vivem seus dias em função de esperar o momento de afrouxar a gravata, acender um cigarro e pedir uma dose de conhaque, enquanto falam sobre as dores e prazeres da vida. Nas palavras do próprio autor "boêmios por natureza, por convicção, por excesso ou falta de dinheiro. Por solidão ou por amor à sociologia."

Somos apresentados a personagens que vivem histórias arrebatadoras de amor: seja por estrangeiras, por desconhecidas, até mesmo pela revolução cubana. Apresentados ao cantor de ópera aposentado, que vive a vida a beber e amaldiçoar seu antigo rival, passando pelo infeliz casado de meia idade, que não pode aproveitar os prazeres da vida, ao malandro muambeiro e ambicioso, que não perde a chance de negociar o que for possível vender, ao solteirão frustrado no trabalho e no amor, que só encontra alívio para seus dias frustrantes nas excitantes noites paulistas.

Alguns elementos narrativos dão ritmo e leveza as histórias do livro. Primeiramente, o humor com o qual algumas situações são narradas. Mesmo eventos tristes acabam divertindo o leitor. O principal exemplo disso é a história que dá título ao livro. Cafetina ou não, rica ou pobre, velha ou jovem, nunca se ouviu falar de enterro mais surreal e mais divertido. É interessante ver como o fetiche, o desejo sexual dos personagens, aflorado devido as doses a mais de álcool, e as vezes refletidos como ciumes exagerados, levam-os a atitudes extremas.
                                                         
                                       
  O que mais me impressiona em "O Enterro da Cafetina" é a sua atemporalidade. Já se passaram 45 anos desde a publicação da obra original, e o espírito dos "adoradores da noite" permanece vivo nos boêmios de hoje em dia. Não, eles não usam abotoaduras e não dizem "garção", afinal não estamos mais nos anos 60, mas ainda persiste uma estranha identificação com aqueles personagens. Por usarem a noite para se livrar de seus medos e traumas ou para esquecer seus problemas. Ser livre é algo que todos desejamos, e, ainda que banal, a noite é a forma mais acessível de se livrar da rotina.

Marcos Rey sabia  que havia gente que gostaria de ter nascido morcego. Viver a noite, pela noite e para a noite. Que assim como médicos recomendam ar puro, o espírito por vezes recomenda ar condicionado, de fabricação americana e instalado num lugar onde há álcool e música, e onde as mazelas da vida cotidiana dãom lugar a pessoas movidas por amor, qualquer tipo de amor. Que fique a lição!